Revisitando a América: Cidades e Estradas

 

Ao percorrer as estradas da América (uso aqui propositalmente o termo America para me referir aos Estados Unidos, já que é assim que os americanos se referem ao país), geralmente escolhemos um ponto de partida e um destino, e tentamos ver o máximo do país entre estes dois extremos.

Desta forma, ao longo dos últimos 25 anos, tivemos oportunidade de conhecer 41 estados: Alabama, Arizona, Arkansas, California, Colorado, Connecticut, Delaware, Florida, Georgia, Illinois, Idaho, Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky, Louisiana, Maine, Maryland, Massachusetts, Minnesota, Mississippi, Missouri, Nevada, New Hampshire, New Jersey, New Mexico, New York, North Carolina, Ohio, Oklahoma, Oregon, Pennsylvania, Rhode Island, South Carolina, Tennessee, Texas, Utah, Virginia, Washington, West Virginia e Wisconsin.

Alguns estados foram visitados de passagem, outros demoradamente, e alguns mais de uma vez. Assim tivemos chance de conhecer um bom pedaço da América, desde o lado oeste do país, onde estão Los Angeles e San Francisco ao nordeste, onde ficam New York City e Washington DC. Dos desertos de Houston e Dallas às ventosas Chicago e Milwaukee. Do carnaval gringo de New Orleans ao gelo de Minneapolis. Das luzes de Las Vegas ao country de Nashville, passando ainda por Albuquerque, Kansas City, Cleveland, Baltimore, Philadelphia, Oklahoma City, Atlanta, San Diego, Des Moines, Saint Louis, Niagara Falls, Salt Lake City, Indianapolis, Phoenix, Charleston, Buffalo, Cincinnati, Memphis, Arlington, Pittsburgh, e claro, Miami e Orlando, além de um incontável número de médias e pequenas localidades, ao longo das estradas.

A cidade típica americana não é formada por paliteiros de prédios, como as cidades brasileiras. Elas têm sempre um núcleo central onde se destacam duas ou três moderníssimas e imponentes torres empresariais (ou cinco ou seis, conforme o tamanho da cidade), alguns outros prédios menores em volta e só. Em torno desses prédios a cidade se estende em todas as direções até onde a vista alcança. E é justamente esse até onde a vista alcança que determina o tamanho de cada cidade. Elas são um conjunto de subúrbios ricos ou necessitados, floridos ou cinzentos, exuberantes ou discretos, e cada um deles é como uma cidade própria. Não existem conglomerados urbanos e nem pessoas caminhando pelas calçadas. Na verdade, na maior parte das vezes nem existem calçadas. Existe sim o estacionamento público da esquina. Existe o estacionamento exclusivo da loja. Existe o estacionamento privativo do hotel. Existe o estacionamento aberto do shopping. e Existe o estacionamento garagem da torre empresarial.

Aprender a dirigir e ter um carro é para os americanos tão normal e essencial como colocar um pé na frente do outro para caminhar e basta dizer que o documento mais importante no país, solicitado em qualquer situação especial, é a Driver's License. E as cidades americanas são o reflexo desta forma de pensar e viver. No Brasil, para pegarmos uma estrada temos que ir até os limites da cidade. Nos Estados Unidos não, as estradas vem nos buscar em qualquer lugar onde estejamos. Após sair de casa basta dirigir três quadras para lá, dobrar à esquerda, dobrar à direita e pronto, subimos a rampa e estamos numa autoestrada. As cidades americanas foram construídas por uma sociedade que depende de carros, respira carros e não concebe viver sem carros.

Tínhamos visitado os Estados Unidos pela última vez há poucos anos, portanto a memória ainda estava fresca e sabíamos o que nos esperava em termos de trânsito. E isto era especialmente verdade em Houston, a quarta maior cidade americana, famosa pelas autoestradas e pelo trânsito implacável 24 horas por dia. Mesmo assim, logo depois que pegamos o carro na Hertz do George Bush Intercontinental Airport e tomamos a Interstate 69 rumo sul para percorrer os 40 quilômetros até nosso hotel, a imagem que me veio à cabeça foi de ter sido absorvido por um turbilhão ou ter me transformado numa gota d´água em meio à enxurrada. Eram estradas com seis pistas para ir e seis pistas para vir. De cada lado estradas secundárias e de acesso, com duas pistas em cada uma. De tempos em tempos, trevos rodoviários que lembravam cenas de clássicos filmes futuristas, onde os foguetinhos individuais tinham sido substituídos por automóveis que, um atrás do outro e sem parar, atravessavam de lá para cá num ritmo frenético.

E no meio daquela enxurrada de automóveis em alta velocidade eu não conseguia deixar de ficar fascinado com o que via em volta. Ao longo de toda a estrada a pintura da pavimentação era impecável, com todas as faixas, acessos, saídas, retornos, tudo perfeitamente demarcado, como se tivessem sido pintados na véspera. Placas indicativas havia às centenas, posicionadas sobre e nas laterais das pistas, informando claramente os números das saídas, localidades pelo caminho, distâncias para chegar a esse ou aquele lugar, distância até os postos de gasolina, hotéis, restaurantes, áreas de descanso e tudo mais. Tudo visível à distância e aparentando ter sido instalado também ontem. E o que vimos no dia da chegada não foi exceção, foi a regra. Em nossa viagem pelos país percorremos quase quatro mil quilômetros através de oito estados e em todos eles tanto estradas como sinalização eram impecáveis.

Mas no meio deste chocante contraste com a realidade rodoviária brasileira, duas coisas me chamaram atenção especial. A primeira é que as estradas americanas nunca estão concluídas. Estão sempre em obras, sendo aumentadas, alargadas, recuperadas, recebendo novas pistas, trevos, acessos, viadutos, rampas e tudo mais que é necessário para permitir que continue em movimento um país que tem cada vez mais carros. E a segunda é sobre a forma como os americanos ampliam os trevos das auto-estradas: Construindo pistas novas por cima das já existentes. Algumas rampas por onde passamos tinham altura equivalente a um prédio de seis ou sete andares e nos fizeram sentir quase como numa montanha russa.

Mas o que me intrigou mesmo foi pensar como, neste emaranhado de estradas e trevos rodoviários, algum turista conseguiria chegar a algum lugar sem um GPS? Afinal, se até o nosso se confundiu várias vezes, me mandando dobrar à direita e manter a esquerda, seguir em frente e voltar até que um dia, aparentemente exausto, disse: 'Você está fora do mapa' e se recusou a continuar trabalhando.

 

 

Publicado em 18.05.2018