Sempre gostei do Carnaval, mas não pelas mesmas razões que a maioria das pessoas.
Minhas primeiras lembranças do carnaval são de quando eu tinha 3 ou 4 anos, vinha com meus pais passar as férias no Rio, e ficávamos em Copacabana, num apartamento térreo com uma janela gradeada que dava de frente para a rua. Na época não existiam bandas como as de hoje, o que existiam eram blocos de ritmistas, que se formavam quase espontaneamente e saiam pelas ruas, sem destino certo, sempre seguidos por umas cinqüenta pessoas, no máximo. E sempre que ouvia um bloco passar, eu ficava hipnotizado por aquele ritmo e grudava nas grades da janela, querendo ir atrás sem conseguir e pulando de empolgação, e não havia quem conseguisse me tirar de lá.
Muitos anos depois, na década de 80, assim que o Sambódromo foi inaugurado, eu resolvi tentar algo diferente. Na época eu tinha mania de fazer gravações. Então, num sábado à tarde fui lá, e nem lembro como consegui entrar. Me misturei com a bateria da escola, e de repente lá estava eu entre bumbos, tamborins e cuícas, de gravador em punho, novamente hipnotizado por aquele ritmo contagiante, finalmente realizando meu sonho dos tempos da janela gradeada.
Na década de 90 eu já estava na fase das fotografias, e costumava procurar locais diferentes para minhas fotos. Ia muito ao centro da cidade, pois lá desfilavam os 'blocos do eu sozinho', pessoas que criavam suas próprias fantasias, divertidas e ingênuas. E eram famílias, crianças de colo, tudo num clima agradável e de segurança.
Certa vez resolvi fazer uma extravagância: assistir o desfile das escolas de samba em alto estilo. Comprei ingressos para uma mesa de pista, bem em frente à avenida. E quando passou a primeira escola, com suas fantasias, carros alegóricos e ritmistas foi sensacional. Aí veio a segunda escola, com tudo mais ou menos igual e foi bom. Aí veio a terceira escola, com tudo mais ou menos igual e foi.. ok. E antes da 4ª escola começar a desfilar eu já estava zonzo com aquele barulho e só conseguia pensar na minha cama macia e no silêncio no meu quarto. Saí de fininho, peguei o metrô e fui pra casa dormir.
Lembrando disso, vejo que o que eu sempre gostei não foi do carnaval em si, mas sim do que ele proporcionava. As imagens, o fora da rotina, a chance de descobrir o lado diferente das pessoas e da cidade. Era mais ou menos como viajar para outro país e encontrar pessoas vestidas de forma diferente, agindo de forma diferente e fazendo coisas diferentes. A diferença é que não era a gente que ia até outro lugar, era o outro lugar que vinha até a gente.
De uns tempos para cá ficou difícil gostar do carnaval. Bem que eu tento, mas ele não deixa.
Sim, eu mudei, mas ele mudou mais ainda, está praticamente irreconhecível: Deu para beber muito, já sai de casa com uma garrafa embaixo do braço, vive se metendo em brigas, faz xixi em qualquer canto, fala sempre aos gritos, é inconveniente, não respeita o direito dos outros de ir e vir, impede as pessoas de fazer qualquer outra coisa e ainda pior: criou o hábito de só andar em multidões (dizem que o nome dessas multidões é banda), que por onde passam destroem plantas, jardins e deixam rastros de sujeira, milhões de latas de cerveja, garrafas de vodka e cheiro de urina pelas ruas.
Agora para mim o carnaval se resume a assistir na televisão o desfile das escolas de samba - como sempre até a terceira escola porque depois disso é tudo igual - procurar um bom filme (torcendo para conseguir atravessar as bandas e chegar no cinema são e salvo) e poder dormir até mais tarde.
Ah sim, e preparar a minha tradicional e famosa torta de maçã, a melhor parte dos festejos momescos.
Publicado em 10.02.2018